São Bento do Una e a história da educação pública do Distrito Federal perdem uma de suas mais importantes personagens. A professora pioneira Maria Marta Cintra faleceu no amanhecer desta quarta-feira (20/07/22), aos 84 anos, completados na semana passada, após 3 anos de luta contra a doença de Alzheimer.
O velório e sepultamento serão realizados nesta quinta-feira (21/7), na Capela 01, do Campo da Esperança, no Plano Piloto, a partir das 13h. O sepultamento será às 15h.
Ela fez parte da primeira diretoria do Sinpro-DF, foi chefe de gabinete de Fábio Bruno, diretor-executivo da Fundação Educacional do Distrito Federal (FEDF) e, sobretudo, foi professora, durante anos, no Núcleo Bandeirante. Também formou a equipe de professores do Caseb, primeira escola pública de Brasília. Foi uma das principais protagonistas da implantação do primeiro Plano de Carreira do Magistério Público do DF.
Amigos(as) e colegas contemporâneos da professora Marta dizem que não há palavras para expressar a dor desta perda. Sempre alegre, bem humorada, espirituosa e proativa, a professora protagonizou quase todas as lutas da educação da capital do País. Juntamente com o Sinpro e outras personagens importantes da categoria, ela foi responsável por quase tudo que consta, hoje, do contracheque de cada professor(a) e orientador(a) educacional da rede pública de ensino.
Participou ativamente da fundação do Sinpro-DF. Em 1983, Marta disputou a diretoria do sindicato como candidata a presidente. Na época, o Sinpro ainda não tinha adotado a diretoria colegiada. A chapa dela perdeu a eleição, mas, segundo Isabella, o professor Fábio Bruno, que, na época, era o diretor-executivo da FEDF, e também considerado personagem importante na história do movimento sindical e da educação do DF, ao ouvir o discurso dela após a derrota, a convidou para ser sua chefe de gabinete.
Na chefia do gabinete de Bruno, Marta protagonizou a implantação de antigas reivindicações da categoria. Ajudou a criar a EAPE e a instituir o concurso de remoção. Antes disso, para mudar de escola, professores(as) tinham de ter um pistolão, alguém influente que os(as) indicassem. O primeiro ato deles, quando assumiram a antiga FEDF, foi anistiar e readmitir os(as) professores(as) demitidos(as) pelos governos da ditadura militar por terem feito uma greve. “Ela era uma mulher à frente do seu tempo. Aguerrida. Eu só tenho gratidão por ter podido cuidar dela nos últimos 3 anos”, diz Isabella.
Depoimentos
Rejane Pitanga, professora aposentada da SEE-DF, ex-presidente da CUT-DF e ex-diretora e liderança sindical do Sinpro, lembra com saudade e gratidão da amiga das horas de alegrias e grandes lutas sindicais e pedagógicas. “Tenho um enorme orgulho de ter sido amiga de Marta, uma mulher admirável e apaixonada pela educação e pela profissão professora. Marta era uma pessoa muito culta e extremamente espirituosa e alegre. Viveu intensamente e alegremente, gostava da vida, de música e de conversar com os amigos. Mãe de Isabella, também professora, que cuidou dela durante a sua doença com muita dedicação e avó do Felipe”.
O professor aposentado e ex-sindicalista Aurélio Anchises foi um dos grandes amigos da professora Marta. “Eu a conheci quando éramos apenas professores da rede lutando contra a ditadura militar. Depois disso, na formação do Sinpro-DF, participamos juntos. Ela participou ativamente dessa construção. Na segunda gestão do sindicato, ela concorreu com uma chapa como oposição e perdeu. Foi sempre uma lutadora que buscou o bem da categoria e as mudanças políticas para combater a ditadura”, lembra.
Professor de geografia, sociologia e filosofia, Anchises conta que Marta foi uma pessoa combativa. Além de professora, ela foi uma ativista importante do movimento docente do Distrito Federal. Era amiga também de Pompeu de Souza. “Ela participou ativamente da criação do nosso primeiro plano de carreira”.
Ele conta que Marta fez parte do grupo de professores que criou a primeira Associação de Professores da capital do País, antes do golpe militar de 1964. “Ela e outros criaram a Associação dos Professores de Brasília. Inclusive lutaram pelas casas das Quadras 700, na W3 Sul, que estavam vazias, eram funcionais e os(as) professores(as) pagavam aluguel. Na época, as casas da W3 foram construídas para serem imóveis residenciais funcionais. Outra luta em que ela teve participação ativa foi pelo plano de carreira. Essa luta já era elaborada há muito tempo, até antes do sindicato, mas só ganhou corpo quando Fábio Bruno foi diretor da FEDF e Marta Cintra sua chefe de gabinete. É uma história que está registrada por aí”.
Marta Cintra é uma professora que faz parte da história da luta da classe trabalhadora do Distrito Federal. Contemporânea de Marta na rede pública de ensino, no Museu da Educação e no movimento sindical, a professora aposentada da SEE-DF e da Universidade de Brasília (UnB), Eva Waisros Pereira, também lamentou a morte da amiga. “Que notícia triste que o sindicato está me dando agora”, desabafou. Ela disse, em primeira mão para o Sinpro, que Marta é uma das personagens que farão parte de uma trilogia acerca da história de rupturas e desafios da educação do Distrito Federal de 1964 a 1974. A obra está no prelo e será publicada pela Editora UnB.
Eva foi diretora Geral de Pedagogia da FEDF quando Marta foi chefe de gabinete de Fábio Bruno. Ela diz que não se pode falar de Marta com tristeza. “Era extremamente bem humorada. A notícia da morte dela me deixou muito abalada. Sou solidária ao Sinpro por fazer esta homenagem. Quero louvar a figura de Marta e deixar meu reconhecimento por seu legado como pessoa, realmente, batalhadora e dedicada à educação e à categoria profissional dos professores”, disse.
“Conheço Marta Cintra desde que ela veio para Brasília. Eu sou pioneira como ela. No início, ela veio para exercer o magistério e, nesse período, eu não exercia o magistério. Eu a conheci pessoalmente porque eu tinha uma ligação muito grande com o Sindicato dos Professores, inclusive meu marido, Zé Oscar, foi um dos organizadores da entidade enquanto advogado trabalhista. Foi aí que a gente se conheceu, nessa época inicial. Ela tentou, logo no início da educação no DF, organizar a Associação dos Professores Primários porque já havia sido organizada a Associação dos Professores do Ensino Médio. Havia uma certa divisão e ela não concordava. Encabeçou esse movimento com outros professores. Depois tivemos maiores contatos, principalmente após a ditadura militar, quando tive a oportunidade, por meio de um abaixo-assinado do Sinpro, de ser indicada para ser diretora Geral de Pedagogia. Nesse período tivemos uma forte aproximação porque Marta era chefe de gabinete de Fábio Bruno, que havia sido um conhecido sindicalista desde o início de Brasília”, lembra a professora.
Eva conta que, a partir desse momento, ela e Marta passaram a conviver muito proximamente e compartilharam a luta docente com uma proposta de mudança do currículo imposto pela ditadura. “Nessa gestão de Fábio Bruno, mudamos as imposições da ditadura militar, implantamos filosofia e sociologia nas escolas; implantamos tempo para planejamento; enfim, implantamos uma série de medidas para melhorar a qualidade da educação e, além disso, houve uma implantação da Carreira do Magistério. Também conseguimos ampliar o valor do salário dos professores. Houve todo um rol de conquistas do ponto de vista de carreira e de salário dos professores. Marta Cintra teve uma participação preponderante e muito grande em tudo isso como chefe de gabinete pós-ditadura militar”.
Eva lamenta a morte da amiga e diz que havia, entre elas, uma identificação de propostas e de propósitos. Assim com Eva, Aurélio e Rejane Pitanga, a diretoria colegiada do Sinpro-DF se sente órfã com a partida da amiga, companheira, pensadora da educação, ativista do movimento sindical e, sobretudo, professora Maria Marta Cintra. O Sinpro se solidariza com a família e abraça fraternalmente Isabella Cintra, sua filha, professora da rede pública, sindicalizada e atuante na nossa entidade.
Professora Maria Marta Cintra, presente!
Fonte: SINPRO-DF
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